QUANDO VOCÊ PENSA QUE NÃO - Leandra Du Art mergulha ainda mais fundo - REVIVER

Foto: Ramon Aquim

Eu não tenho a absoluta certeza se esse será o último texto sobre esse assunto. Mas tudo passa tão rápido, um dia você se pega com medo sozinha e insegura outro em cima de uma bancada de mármore com luzes quentes tendo seu cabelo bagunçado do outro lado do país acompanhada ou dentro de um carro com alguém que não valeu a pena nem ter conhecido, ou também, se pegando apaixonada durante uma semana por alguém que você não sabe nem o último nome e que mal te conhece, porque não beijando beijando mulheres. Lá atrás, calma, mergulhe comigo.

Izzy foi uma sereia que se permitiu ser trofeu, se permitiu ser apenas refúgio, até deixou com que contasse como era o seu reflexo, não se olhava pois confiava cegamente em quem estava ao seu lado, sendo ela uma sereia e ele um terrestre já estava claro que era improvável que ambos fossem de fato o que completasse um ao outro.

“Eu estava paralisada, eu podia sentir as águas conduzindo meu nado e por mais fraca que eu estava, me alimentei de pouco, meu oceano se curvava quando seus pés tocavam a praia antes mesmo que ele se adentrasse a água. Mesmo que eu tivesse em minhas mãos toda vida marítima aquele mortal, aquele mero mortal conseguia fazer com que eu me contentasse com sua forma envenenada e conturbada de amar.”

Ela tinha ideia que esse jogo não era saudável, sabia que ia de contra seus princípios, ia de contra sua trajetória, olhava sua cauda que carregava marcas de várias batalhas que travou contra a natureza e entendia que passar pelo que estava passando era cruel com seu corpo. Quando com muito esforço entendeu que não era mais necessário passar pelo que estava de livre e espontânea vontade se sujeitando, se libertou.

“Me afoguei de mim, me banhei de grandeza, me lavei de coragem, pude sentir e ver com mais clareza que eu era maior, maior do que turbilhão que ele me oferecia e chamava de amor, meus sentidos se expandiram era como se em cada escama da minha cauda pulsasse um coração, eu voltei a ver beleza no movimento suave do meu cabelo passando pelo meu rosto, era tão intenso que daí em diante, qualquer início de um suposto encontro de almas não tinha força pra superar o santo graal que era se descobrir por completa”

Uma nova versão, versão essa que fez de Izzy uma criatura incompreendida, assustadora para alguns e perdidamente encantadora em todos os sentidos por muitos, ela consegue agora descer ainda mais fundo depois de tudo que passou e poucos agora podem suportar a pressão mil vezes maior que a superfície. Ela é uma sereia, parece frágil, manipulável, dócil, não se iluda pensando que pode distrai-la, ela passou pela Antártida e seu coração chega a menos setenta e cinco graus, blindada; se passar pela sua cabeça ainda limitada que pode estar a usando, sinto muito, você já foi descartado ou está sendo usado para satisfazer seus prazeres.

“Sou um ser transformador em constante transformação, explorando e me permitindo conhecer as águas desse mundo, nascendo no Peru desaguando no Brasil, as águas piscosas e barrentas do Rio Acre me deixaram com a certeza mais que absoluta que me tornei uma criatura de força sobrenatural, tempos atrás eu sobreviveria com dificuldades a essa explosão de emoções, sensações, toques, sabores que ainda posso sentir na boca, ainda é doloroso deixar as pessoas que amo, ainda é difícil ver a névoa de sangue na água que saem dos meus poros por deixar com dificuldade os laços, porém agora, são vínculos eternos que os terrestres chamam de amizade, mas que meus pares conhecem como família, não paixões, amores avassaladores em forma de Little Boy prontas para destruir tudo e todos ao redor. Todo esse tsunami acreano, fez com que eu olhasse para meu reflexo ainda com mais convicção do que sou, sem aceitar menos ou sobras de quem tem medo de um ser monstruoso e desconhecido”

Nem parece que durou tão pouco, mas foi tempo suficiente para chegar na conclusão deste texto, não me arrependo de nada, talvez do que não tenha feito, foi necessário viver o que vivi lá atrás, para que eu tivesse a certeza de que poderia passar com tranquilidade esse misto de vivência. Segura, inteira eu sobrevivi, eu estou pronta para me aventurar, me permitir, sorrir, chorar, sentir medo, me sentir confiante, dançar, desejar, ser deseja, beijar, ser beijada, com o tempo vai ficando claro que isso é algo natural e não deve ser sofrido e sim vivido.